quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Ensaio sobre a Matrix

Eu finjo que moro com aquelas pessoas. Habitamos a mesma casa, porém, nunca comemos à mesa. Entro como um furacão e encontro coisas no sofá. Abro a porta discretamente e observo objetos inanimados. Assustei-me ao ver que a estátua, localizada no sofá, estava com uma caixinha de metal nas mãos. Algo hipnotizante e dinâmico. Uma estátua isolada naquele mundo minúsculo entre as mãos. Uma estátua surda. Uma estátua cega. Uma estátua morta na realidade. Quando, curiosa, caminhei até o quarto, tinha em cima da cama um objeto inanimado, com os sentidos fixados na mesma caixa metálica poderosa. Eu estava aterrorizada. A situação piorou quando encontrei algo aparentemente familiar, porém, com um olhar alienado, executando movimentos robóticos. Vinha com uma pequena folha branca escrita em letras garrafais ''Manual de Instruções: Acordar, trabalhar e dormir.''. Saí perplexa, procurando pelas pessoas com quem eu morava. Não encontrei nada com vida, exceto meu gato Lírio, a caixinha metálica e o manual de instruções. E eu? Eu sou aquele quadro de flores pregada de maneira torta, na parede.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Este não é um poema no ônibus 2015.

Havia pouco tempo
E o tempo é o inimigo dos criadores
Dos criativos e dos iludidos
Correu até a porta
Uma sombra ligeiramente tomava conta
A luta instigante do seu medo
Onde há refúgio?
Procurou na paisagem bucólica da janela
Procurou nas ruas caóticas da capital
Procurou na cerveja quente da avenida
Procurou no cheiro invasivo de peixe do Mercado Público
Leu Florbela, Gullar, Bukowski...
Pensou ler Pessoa e pessoas, Bandeira, Drummond...
Subiu o monte...
Fugiu de bonde...
E nada conseguiu...
Falando em nada,
Ele se sentia um nada...
Não fazia nada...
Até o nada era um nada...
E assim, nada pior que a falta de criatividade
Para ocasionar o suicídio do escritor...
E a frustração do leitor...

Fragmentos sobre a Lucidez

Era funcionário público. Estudante de Contábeis, sonhava em ser ator. Fez o que seus pais desejavam. Foi obediente às influências. Escolhas sem paixão. Mais uma tarde na Avenida Catedral onde Ele, fugaz, observa o universo pela janela, como se sua única liberdade fosse apreciar o aroma do café e ouvir Nina Simone em seu velho rádio contrabandeado. Até aquele pequeno rádio tinha mais histórias que ele. ''Tempos difíceis para quem sai às dezessete horas, acho que sairei meia-hora antes.''
As nuvens negras corriam, unidas no céu, lentamente formando um redemoinho. Um suave redemoinho. Não havia fuga. Os pingos já começavam a provocar o caos na cidade caótica. Ele pega seus objetos e procura o táxi. Todos os táxis ignoram. Ou não é seu dia de sorte, ou Ele é um morto-vivo. Tem a certeza das duas hipóteses. Ao pegar o táxi, Ele perde seu dinheiro. ''Senhor, pode voltar? Deixei o dinheiro no escritório.'' O taxista paraibano larga-o em uma rua escura e desconhecida e Ele não encontra pessoas ao redor. Uma luz misteriosa o cega. Surgem personificações um tanto oníricas e fantásticas. Sua ex-namorada ruiva com o amante galego, a Morte com asas, a Miséria com dentes, a Ousadia com máscara e assim, o pior monstro, o Espelho. Olhar a si é aterrorizante. Ele tentou lutar de todas as formas. Sem sucesso, correu em ruas iguais e intermináveis. Corria sem sair do lugar. Ao tentar entrar em uma casa, Ele caiu no abismo, na imensidão do nada, no desconhecido, no escuro. Seu corpo era puxado e Ele não tinha controle. Em um pulo, abriu os olhos. Estava amarrado em um quarto branco, sentado no chão, no concreto. ''Tempos difíceis para quem sai às dezessete horas, acho que sairei meia-hora antes.''
Repetiu três vezes, observando o universo na parede.

Deve-se acreditar ou fingir acreditar no Amor.

O Amor é uma migalha de pão.
É um vem e vai frustrante.
Não sei se isso é amor.
Mas é o que eu conheço...
Veja bem o que mostram nos livros e nos filmes.
É um automóvel sem combustível.
É o principal passo para a embriaguez.
É o caminho para a falta de lucidez.
Amor é caridade.
Amor é resto.
Amor é necessidade.
E a falta de Amor é uma forma de amor...

Para você que só mente.

''Acho que não podemos ficar mais juntos''. Disse.
Seus olhos cansados e vermelhos mostram a verdade.
Sua expressão é de falsa certeza.
''Acho que não podemos mais ficar juntos. Você tem outra pessoa e eu fui verdadeiro o tempo todo menos agora. Para o nosso bem.''
Bem o caralho. Moralismo de beira de estrada. Liçãozinha de vó para a menina virgem.
Você me oferece um abraço de caridade, um aperto de mão amigável ''Nada vai atrapalhar nossa amizade''. Diga isso depois desses meses, minha querida. 
Diga com confiança e convicção, como se fosse sua religião. Retornou depois do fim: Retornou aos seus apegos, ao caos, à estrada sem rumo. E eu, pensei que morreria por dentro, sobrevivi com confiança e convicção, como se fosse minha religião.

Para você que mente.

Começa sempre assim: Pensávamos que éramos irmãos em vidas passadas. Viramos o melhor momento da tarde. Estávamos alucinados e alucinantes. A nossa droga era o nosso magnetismo - Nada era explicável, nada precisava de explicações, só havia a necessidade de sentir a carência em uma espécie de unidade. Embriagados, desejávamos o beijo quente e afogávamos aquele calor - No inconsciente, nossa junção. A promessa: Isso é só por hoje! O hoje virou meses. Obstáculo? A liberdade virou prisão, o desejo virou prisioneiro, o laço virou nó. Eu era a fuga, uma opção qualquer. Caminhei distraída por consentimento e o controle se despediu, fitando seu olhar irônico. Por medo, encerrei o ciclo. Por amor, rasguei os panos. Foi um adeus na chuva, a fumaça saindo da boca, orgulho explícito. Ele, paradoxo sentimental. Eu, expressiva dolorida. E assim seguimos, como no poema do ônibus: ''Cheios de palavras não-ditas.''

domingo, 18 de outubro de 2015

Cartas Perdidas

Ela está saindo de casa. Último passo: Verificar o relógio. Depois, segue o fluxo e naturalmente espia a rua pela janela, coloca o chapéu e bate a porta, deixando à mostra apenas um pedaço de papel no bolso do vestido.
Com a chegada do trem, ela salta de forma ansiosa e observa cautelosamente os passageiros. Seus olhos tremem, seu espírito gela e seu coração faz uma sinfonia horripilante. O trem demorou para chegar e não há como ver o motorista,porém, isso realmente não era o mais preocupante. Ao subir no veículo, a moça senta ao lado do rapaz com camisa-romã, cujos traços revelavam certa audácia desejosa àquela mulher. Trocaram bilhetes, selaram beijos, tocaram-se discretos e apaixonados.
Dias passaram e a situação virou rotina, até que o trem rompe bruscamente a harmonia, o motorista caminha até o último vagão e com olhos como meteoros caindo do céu, dá um golpe violento, rompendo com o último toque de lábios do casal da estação.

Notas de um VÍCIO QUALQUER

Começa com uma cócega na boca
Depois vem a vergonha de não saber usar
Então procura-se a prática para atingir o apogeu
O charme dos anos 60
O medo, a hesitação, a excitação
A tontura mesclando com os sentimentos
Alterando a voz, brincando de humor
Um líquido milagroso e duvidoso
O desejo na pele, a fusão dos corpos
A profundidade na sua extrema exatidão
Suor, calor, suspiro, gemido
Como uma doce calda derretendo na boca
Qualquer forma de tampar o vazio
Calórico e pesante na consciência
Imposição dos padrões
Exageros
Mas acalma o coração
Assim começam todos os vícios
Como é perigoso...
Por isso a vontade é enorme
Enaltece a alma
E espanca o corpo.

Penumbra

A Morte tem cheiro. A Morte fede.
é tão primitivo e assustador.
Pensei que a Morte tinha cheiro de girassol, de rosa...
Jurei que tinha cheiro de formol...
Ou cheiro de defunto.
E não falo da podridão da carne.
A Morte é original, específica...
Discreta, colide no ar...
De supetão, pensa que manda...
E manda...
A Morte fica no corredor e 
Usa tubos verdes de plástico no nariz,
Então ela s cansa e decide mudar o retrato,
Procurando mais movimento para a sua vida.
Ela assume diversos lugares e nos assume.
A Morte tem cheiro. A Morte tem cheiro de morte.

(Não) Te vejo amanhã.

Foi... 
Como um sussurro no vento
Distraído em um novo olhar
Foi...
Não fez questão de dar oi
Só foi...
Seguiu o rumo
Como se nada tivesse acontecido
Como se houvesse amanhã
Como se eu fosse o ninguém
Vai...
Só vai...
E não volte mais...